quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O mar não está para peixe. A crise mundial da Pesca: práticas predatórias e desrespeito ao manejo vêm reduzindo as populações de espécies nobres de peixe.

Preso pela rede, um tubarão-raposa no golfo da Califórnia, no México, é um dos estimados 40 milhões de tubarões mortos todo ano para a extração das barbatanas, e parte da terrível captura global de peixes: quase 100 milhões de toneladas

Os oceanos estão em apuros. Do extremo norte do mar da Groenlândia aos vagalhões gelados do círculo antártico, estamos limpando os peixes de nossos mares. De 1900 até hoje, pode ter havido um declínio de quase 90% em muitas espécies, e o problema só se agrava. Super-redes de arrasto varrem os recifes. Países violam as leis. Cotas de pesca não são respeitadas.
A crise anuncia-se na mesa vazia de uma família no Senegal, na queda do número de alunos em uma escola elementar de um povoado costeiro, no cardápio dos restaurantes e na esteira de pescado inaproveitado e lançado à deriva. Nas três histórias a seguir, comparamos os prejuízos líquidos com os magros lucros. Primeiro, a magnitude do problema, refletida no massacre do majestoso atum-azul. Depois, para compensar, o caso de uma reserva marinha na Nova Zelândia obstinadamente mantida por um biólogo que prega a necessidade de nova ética para o oceano: que ele seja visto não como um recurso natural a ser explorado, mas como uma comunidade pertencente a todos nós. Finalmente, a situação da pesca na extensa costa brasileira, em comunidades onde o declínio de espécies marinhas, como a lagosta, priva o povo de seu sustento e arrasa um modo de vida transmitido de geração a geração.
Não há nos mares deste planeta nenhum peixe mais magnífico que o atum-azul. Ele pode atingir 3,65 metros de comprimento, pesar até 680 quilos e viver por 30 anos. Apesar de todo esse tamanho, ele é um primor da hidrodinâmica, capaz de nadar a 40 quilômetros por hora e mergulhar a quase 1 quilômetro de profundidade.
Ele destoa da maioria dos outros peixes no sistema circulatório de sangue quente, que lhe permite viajar do Ártico aos trópicos. No passado, milhões de atuns-azuis migravam por toda a bacia do Atlântico e mar Mediterrâneo, e sua carne era importantíssima para os povos do mundo antigo, que pintavam sua imagem em cavernas e a cunhavam em moedas.
O atum-azul, também chamado de albacoraazul, tem outra qualidade extraordinária, e essa pode selar seu destino: a carne amanteigada de sua barriga, com generosas camadas de gordura, é considerada o mais fino sushi do mundo. Na década passada, uma frota pesqueira high-tech, guiada por aviões localizadores, perseguiu atunsazuis de uma ponta a outra do Mediterrâneo e capturou,muitas vezes ilegalmente, dezenas de milhares por ano.Os atuns-azuis são engordados em alto-mar em gaiolas, depois abatidos a tiros e cortados para os mercados de sushi e filé de atum do Japão, das Américas e da Europa. Tantos atuns-azuis são extraídos do Mediterrâneo que sua população corre o risco de extinção. Enquanto isso, as autoridades européias e norte-africanas pouco fazem para impedir a matança.
“Meu grande medo é que possa ser tarde demais”, diz o espanhol Sergi Tudela, biólogo marinho do WWF-Fundo Mundial para a Natureza à frente na luta para conter a pesca do atumazul.“ Tenho uma imagem muito vívida na mente: a migração de incontáveis bisões-americanos pelo oeste dos Estados Unidos no começo do século19. Era assim também com os atuns-azuis no Mediterrâneo: uma colossal migração de animais. E agora estamos vendo com o atum-azul o mesmo fenômeno ocorrido com o bisão-americano.”
O extermínio do atum-azul reflete todos os problemas hoje encontrados na pesca: a capacidade de abate multiplicada pela tecnologia, a suspeita rede de empresas internacionais que têm lucros estratosféricos, a negligência no manejo da pesca e na aplicação das leis e a indiferença dos consumidores à sorte do peixe que compram.
Os oceanos do mundo são uma sombra do que já foram. Com poucas e notáveis exceções, como a pesca bem administrada do Alasca, da Islândia e da Nova Zelândia, o número de peixes nos mares é uma fração do que era há um século.Os biólogos marinhos divergem quanto ao grau desse declínio.Alguns afirmam que os estoques de muitos peixes marinhos grandes diminuíram de 80% a 90%; outros apontam uma queda menor.Mas todos concordam que, em quase toda parte, há barcos demais atrás de peixes de menos.


por Fen Montaigne
Fonte: NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL